segunda-feira, 15 de agosto de 2011

PLANO DE AULA


Zenaide Ferreira Fernandez
 
Este texto pretende abordar o tema plano de aula privilegiando os seguintes itens:
. a natureza política do ato de planejar ;
. o plano de aula como recorte de um mesmo processo global;
. o plano de aula como instrumento de formação docente.
A natureza política do ato de planejar
Planejar é uma das funções dos professores. Planejar a prática pedagógica não consiste somente no exercício de uma técnica no sentido restrito. Se assim fosse, poderíamos conduzir o texto descrevendo, em nosso caso, fórmulas ou receitas para a elaboração do plano de aula. Não podemos negar que existam elementos comuns ao ato de planejar, de pensar a prática antes de realizá-la, que, em nosso caso, são as seguintes:
. A reflexão sobre finalidades e objetivos de saber o que fazer e com que intenções educativas;
. Decisões sobre conteúdos – as diversas formas de tratá-los, sua organização no tempo e no espaço;
. Determinação de atividades julgadas mais adequadas para desencadear processos de aprendizagem;
. Consideração das condições de tempo, espaço, estrutura organizativa da escola, comunidade, alunos;
. Reflexão e decisão a respeito dos processos avaliativos;
. Organização e registro das decisões tomadas.

Os que trabalham na escola sabem, mesmo de forma intuitiva, que os planos de aula, ainda que elaborados, não prescrevem de forma linear o que os docentes deverão fazer na sala de aula.
Há pelo menos duas razões que justificam essa fala:
. As decisões a respeito da prática pedagógica, concretizada no cotidiano da escola, são tomadas em um determinado contexto. A época em que vivemos é marcada pela complexidade social, pelo excesso de informações, por novas formas de organização do trabalho, pela evolução rápida dos conhecimentos e técnicas, pela degradação do meio ambiente e pela exclusão da maioria da população mundial das benesses da civilização. Nesse cenário, estão presentes ainda as forças de construção de um mundo melhor, voltadas para o combate à exclusão, à opressão. A escola é um espaço em que crianças e jovens realizam atividades planejadas e nelas permanecem por um período estável. Sendo assim, pode contribuir para o fortalecimento das forças transformadoras que devem ter como horizonte a tolerância, o respeito às diferenças, o desenvolvimento ambiental, social e cultural marcado pela justiça e harmonia. Não é por outra razão que Freire (1998) considera como um dos saberes necessários à prática educativa o entendimento de que ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo. Por se tratar de questões que dizem respeito à educação de maneira mais ampla e não de discurso vazio, ensinar envolve propostas práticas de ação, devendo constituir um processo coletivo e permanente de diagnóstico, de discussão de objetivos, de tomada de decisões e avaliação.
. A segunda razão refere-se à prática da docência na sala de aula. A sala de aula é a fiel tradução da comunidade em seu sentido mais amplo e da comunidade em que a escola está inserida, podendo ser urbana, rural, de periferia, de elite, vinculada a uma entidade mantenedora tanto privada, privada confessional, quando pública estadual, municipal, dispondo de relações organizativas e de trabalho diferenciadas e de recursos distintos. Para além desse âmbito, o professor tem diante de si os alunos, sujeitos socioculturais concretos, para quem planejam-se as ações. De maneira intencional ou não, o plano de aula expressa os valores que presidem nossas práticas educativas, sendo, portanto, uma ação de natureza política.
Plano de aula como recorte de um mesmo processo global
Na escola, o planejamento realiza-se em diferentes momentos e em várias dimensões.
Projeto Político Pedagógico
A noção de projeto, projetar, lançar-se à frente, implica uma projeção de futuro (GADOTTI, 2001). Sendo assim, é um conceito amplo. O Projeto Político Pedagógico da escola contém uma ordenação muito particular, provoca decisões coletivas a respeito da sociedade, da formação e desenvolvimento dos homens, da natureza ética, estética e política da prática pedagógica, da busca de interação entre ensino e educação. O Projeto Político Pedagógico implica, portanto, um certo referencial teórico, filosófico e político, mas não se conclui no referencial. Envolve propostas práticas de ação. Para ser verdadeiro e realmente nortear as ações educativas, o projeto político pedagógico deve ser um processo coletivo e permanente de diagnóstico, de discussão de objetivos, de tomada de decisões e avaliação. O projeto político pedagógico é amplo e pode considerar diferentes perspectivas da escola.

Planejamento Curricular
O planejamento curricular da escola diz respeito a toda vida escolar, já que não se entende por currículo, apenas o conteúdo das áreas de conhecimento da escola, mas a própria dinâmica da ação escolar. Nessa dimensão, o eixo do planejamento são os processos formativos do aluno e sua aprendizagem de definir as disciplinas, as metodologias e os processos avaliativos e não somente lógica disciplinar. A fala de Sacristán (2000) ajuda-nos a compreender melhor o âmbito do planejamento curricular, quando nos alerta a levar em conta, na organização dos conteúdos, as experiências culturais que ampliam a perspectiva das disciplinas como os temas da atualidade, a arte, a literatura, a tecnologia, a diversidade cultural. Estão incluídos nesse âmbito do planejamento as decisões a respeito das normas sociais de conduta, uso da linguagem, relacionamento entre sexos, etnias, classes sociais dentre outras. Os verbetes Grupos de Trabalho Diferenciados (GTD) e Tempos Formadores (ver verbetes no Dicionário Tempos e Espaços Escolares) discutem propostas organizativas de conteúdos no enfoque globalizador, a organização dos tempos do professor e dos alunos e que fazer nesses tempos, clareando ainda mais o conceito de planejamento curricular.
. Planejamento e plano são conceitos muito relacionados, mas não significam a mesma coisa. O planejamento significa o processo, e o plano representa o registro, um momento, um corte no processo de planejar. O planejamento, enquanto processo, é contínuo. Quando o plano se refere ao currículo temos o plano curricular. Mais restrito que o planejamento curricular, o plano curricular refere-se a uma determinada série ou ciclo. Numa visão mais usual, define os conteúdos a serem trabalhados em diferentes matrizes, a extensão temporal e o repertório de atividades que viabilizam tal trabalho. Podem ser elaborados ainda o plano anual de ensino e, em última instância, o plano de aula. O plano de aula representa o planejamento do trabalho de cada dia e mantém uma relação de congruência com todos os âmbitos do planejamento. Apresenta de forma organizada um conjunto de decisões e compõe-se das partes: identificação, objetivos, conteúdos, estratégias e avaliação.
. Identificação como a própria palavra indica, é a em que organizamos as informações a respeito: A) das intenções educativas, discutidas coletivamente e que constituem princípios orientadores da prática pedagógica da escola. A intenção educativa pode ser considerada como o que delimitamos para a construção de uma pessoa; é o reflexo de uma concepção de educação que a escola tem que não está explícita, mas ainda assim, vai determinar o que os alunos aprendem, o ambiente de aprendizagem, a relação professor-aluno, a forma de organizar os conteúdos, as regras estabelecidas, as atividades desenvolvidas e os processos avaliativos. São escolhas relacionadas às representações do coletivo da escola a respeito de sua função social e dos cidadãos que pretender formar; B) do perfil socioeconômico dos alunos: como dissemos anteriormente, o planejamento é um ato político. A análise do perfil socioeconômico dos alunos determina nossas escolhas e práticas pedagógicas; C) das características da faixa etária: a análise dessas características deve nos responder a questões como:
Que aprendizagens são importantes para uma criança de nove anos?
D) Das relações de trabalho na escola: em que medida as relações sociais de trabalho contribuem positivamente para a prática pedagógica ou a afetam de forma desfavorável? Como poderão ser construídas novas relações de trabalho, sobretudo relações de trabalho coletivo? E) Das decisões a respeito da organização dos conteúdos. Hoje estarmos preocupados em pensar nos conteúdos que se apresentam fragmentados em disciplinas estanques. Ao mesmo tempo, estamos preocupados com a necessidade que os alunos têm de aprender a ler e escrever, calcular, resolver problemas e compreender conceitos científicos dentre outros. Como organizar os conteúdos de forma a atender aos nossos princípios e às nossas necessidades? Que decisões tomar a respeito dos tempos e espaços escolares? Como trabalhar na perspectiva de enfoque globalizador? Quando trabalhar um saber específico?
Na verdade, a fase de identificação é um processo contínuo, dinâmico e flexível. A cada dia, amplia-se o conhecimento mútuo entre professores e alunos e entre alunos e alunos. São pautados necessidades e avanços, estilos de aprendizagem, gostos, formas mais assertivas de gestão de sala de aula e novas abordagens avaliativas.
Parte importante do plano de aula, a fase de identificação não faz parte do documento escrito que se inicia a partir de definição dos objetivos.
Objetivos
Pensar os objetivos é uma tarefa indispensável, mas sua função no plano não é ditar situações de aprendizagem. É, sobretudo, identificá-los com clareza, analisar o que realmente se desenvolveu e avaliá-los. Grande parte dos objetivos contidos nos planos de aula são inúteis. São descritos de forma ampla e genérica, com propósitos abrangentes que não conseguem orientar as ações do professor e dos alunos em sala de aula ou são relacionados apenas para cumprir um ritual burocrático.
Segundo Zabal (1998), um modo de determinar os objetivos ou finalidades da educação consiste em fazê-lo em relação às capacidades que se pretende desenvolver nos alunos. Se achamos que a escola deve promover a formação integral dos alunos, é preciso definir tais intenções formulando-as em objetivos gerais.
Objetivos gerais
São mais amplos e mais complexos e poderão ser alcançados ao final de Ensino Fundamental ou Médio, ao final de um ciclo, ou mesmo não se apoiar em apenas uma fase da vida ou em um único lugar. Os quatro eixos fundamentais que devem nortear a educação, segundo a UNESCO, são:
Aprender a conhecer
Aprender a fazer
Aprender a viver juntos
Aprender a ser
Esses pilares são exemplos de objetivos gerais e devem estar presentes na política de melhoria da qualidade da educação.
No entanto, tais objetivos ou finalidades não precisam estar formulados no plano de aula, pertencem ao âmbito do projeto político pedagógico da escola.
Objetivos específicos
Um objetivo pode envolver conteúdos de natureza diferente, agrupados segundo proposta da UNESCO, referindo-se, como dissermos, ao que os alunos devem saber, saber fazer e ser. Enquanto no exemplo citado no âmbito dos objetivos gerais as intenções educativas são indispensáveis para responder à pergunta: para que ensinamos? Devemos procurar respostas para as questões:
O que se deve saber? O que se deve saber fazer? Como se deve ser?
Os conteúdos de aprendizagem são instrumentos para explicitar tais questões. A classificação do Coll (1986) pode nos ajudar a entender melhor:
. Objetivos que envolvem conteúdos conceituais {conceitos, fatos e princípios} = aprender a conhecer;
. Objetivos que evolvem conteúdos procedimentais (o que se deve saber fazer) que envolvem o desenvolvimento de capacidades intelectuais, afetivas, sociais, políticas, como por exemplo, relacionar, inferir, abstrair, identificar características, transferir informações, avaliar, comparar fatos e teorias, fundamentar opiniões, trabalhar em equipe e outras;
. Objetivos que envolvem conteúdos atitudinais (como se deve ser) são aqueles que tem como finalidade alcançar capacidades ligadas a valores.
Na prática, conhecimentos, habilidades e atitudes são trabalhados ao mesmo tempo nas situações de ensino e aprendizagem ainda que, muitas vezes, não tenhamos consciência de como tais dimensões se entrecruzam e se comportam para resultar em aprendizagem.

Conteúdos
Os planos de aula registram nossas escolhas em relação à diferentes formas de organizar os conteúdos. Freqüentemente, eles se apresentam em classe de modo separado. O conjunto de disciplinas é proposto simultaneamente sem quem apareçam explicitamente as relações que podem existir entre eles.
Os conteúdos podem ainda ser organizados no enfoque globalizador (ver também verbetes Grupos de Trabalhos Diferenciados e Projetos de Trabalho no Dicionário Tempos e Espaços Escolares).
Estratégias
As estratégias constituem, nos planos de aula, o registro dos meios que os professores vão utilizar para que os objetivos daquela aula, do conjunto de aulas ou de todo o curso sejam alcançados.
A organização dos espaços e tempos escolares, a organização do grupo de alunos, os materiais e recursos didáticos e tecnológicos são decisões nesse âmbito do plano. Os professores acumulam, no decorrer da vida profissional, um repertório de estratégias bem sucedidas e adequadas às suas intenções educativas.
São consideradas boas estratégias as que apresentam algumas das seguintes características:
. Participação ativa dos alunos, permitindo a tomada de decisões quanto ao modo de desenvolver atividades tais como pesquisar, expor, observar, entrevistar, decidir;
. Envolvimento dos alunos com a realidade tocando, manipulando, examinando, recolhendo informações;
. Atendimento às diferenças individuais – os alunos têm diferentes interesses e capacidade;
. Comprometimento dos estudantes em relação à normas discutidas coletivamente.
Avaliação
Avaliar é também um ato político. Registramos no plano de aula as formas como professores e alunos vão analisar situações, reconhecer e corrigir eventuais falhas no desenvolvimento do plano proposto. Registramos ainda formas avaliativas para as atividades propostas (ver também verbete Avaliação no Dicionário do mesmo tema.

O plano de aula como instrumento de formação docente


Os planos de aula representam um registro dos processos vivenciados pelos professores em sala de aula. Incorpora reflexões sobre a prática pedagógica, as experiências positivas, as falhas, as mudanças de rumo, os achados, o significado das experiências vividas. Revelam ainda os processos de construção da identidade profissional do docente, suas fraquezas, angústias, acertos e sucessos. Constituem amplo material para pesquisa sobre a prática pedagógica e, quando compartilhados na dimensão da reflexão coletiva, certamente contribuem para a formação da identidade profissional docente.
* Mestre em Educação pela FAE/UFMG

PARA SABER MAIS...
SACRISTÁN, J. Gimeno e GÓMEZ, A. Pérez. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: Artmed, 1998. 379 p. (a)
No capítulo 5, Pérez Gómez debate os modelos e procedimentos mais adequados para conhecer, interpretar e intervir na vida da aula.
Nos capítulos 8 e 9, Gimeno Sacritán dedica-se à abordagem das diferentes práticas que se entrecruzam na função de planejar os currículos e a prática de ensino.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma relfexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 1998. 352 p. (b)
O autor apresenta uma descrição reflexiva dos processos, por meio dos quais, o currículo se transforma em prática pedagógica contextualizada.
Sacristán (2000)
ZABALZA, Miguel Angel. Diários de aula: contribuições para o estudo dos dilemas práticos dos professores. Porto: Porto Editora. 1994. 206 p.
Nessa obra são analisados diários de aula de sete professoras, com o objetivo de responder a três perguntas:
Qual a utilidade dos diários para os professores? Qual a utilidade dos diários como instrumento de investigação? Qual é o marco teórico e metodológico do trabalho com diários de aula?
No seu conjunto, a obra constitui um material de grande interesse para quantos se dedicam a conhecer os diários de aula como fonte de pesquisa e formação docente.
Outras fontes consultadas
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. SP: Paz a Terra. 1998.
GADOTTI, M. a construção do projeto político pedagógico da escola. In: PROCAD Guia de Estudos. N. 03. SEE/MG, 2001.
COLL, C. Psicologia X Curriculum. Barcelona. Cadernos de Pedagogia Editora. Lara, 1987. 

 Disponível em:    http://crv.educacao.mg.gov.br


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